Amor Ilegal - Denunciando
“- 911, qual é a emergência?
- Rua Maine, 123
- Ok, o que está acontecendo aí?
- Eu gostaria de pedir uma pizza
- A senhora ligou para o serviço de emergência
- Sim, eu sei. Quero uma pizza grande, meia pepperoni, meia cogumelo com pimentão
- Mmmm, desculpe, você sabe que ligou para o 911, certo?
- Sim, você sabe quanto tempo vai demorar?
- Ok, está tudo bem aí? A senhora está em uma emergência?
- Sim, estou
- E não pode falar porque tem alguém ao seu lado?
- Correto. Você sabe quanto tempo vai demorar?
- Tenho um policial há cerca de dois quilômetros da sua casa. Há alguma arma na casa?
- Não, até logo, obrigada”
O diálogo acima ocorreu nos Estados Unidos e refere-se a uma denúncia feita por uma mulher que sofria abusos do seu companheiro. Como o seu agressor estava ao seu lado, esta foi a maneira discreta que ela encontrou para pedir socorro, ligando para o serviço de emergência nos Estados Unidos para “pedir uma pizza”. Graças à astúcia do policial, que entendeu o pedido da vítima e enviou uma viatura ao local, o namorado foi preso.
Em ocasião anterior, tratamos do tema “violência contra a mulher” no texto “Amor Ilegal: Uma realidade nada romântica”, traçando os vários tipos de violências e como identificá-los. Agora, discutiremos sobre as dificuldades que as mulheres ainda enfrentam para efetuarem a denúncia e como fazê-la, trazendo os direitos que garantem a proteção da mulher contra seu agressor.
No pequeno relato supracitado já conseguimos detectar duas dificuldades que as mulheres brasileiras enfrentam ao decidirem denunciar seu agressor: muitas vezes, ele a vigia constantemente, toma os meios de comunicação da mulher – como celulares, telefones -, a proíbe de conversar com as pessoas ou até mesmo a ameaça. Posteriormente notamos que se o policial não estivesse devidamente preparado para casos como este, ele não teria entendido a indireta da vítima, não prestando, pois, o devido socorro. Este talvez seja um dos maiores problemas em nosso país: a falta de qualificação dos nossos profissionais, agentes públicos, no atendimento à vítima.
Muitas mulheres sentem vergonha ou têm medo de recorrer à delegacia tradicional para uma denúncia a fim de sanar a violência. Sem o devido atendimento, este processo acaba sendo mais traumatizante para mulher do que a própria violência. Por esse motivo, foram criadas as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), as quais oferecem um espaço seguro e acolhedor a essas vítimas, com profissionais especializados e em sua maioria do sexo feminino.
Infelizmente, o alcance dessas delegacias ainda não é o suficiente para a demanda de violência doméstica e familiar no país, e elas não ficam abertas 24h, dificultando o seu acesso.
Porém, no Brasil há o disque denúncia – 180 (Central de Atendimento à Mulher). Este é um número específico para receber esse tipo de denúncia, funciona 24h por dia, todos os dias do ano e a ligação é gratuita. Assim como nas DDMs, os atendentes são devidamente capacitados, seja em questões de orientação sobre o enfrentamento à violência, seja na forma de receber a denúncia e acolher as vítimas.
É importante ressaltar que toda mulher é amparada pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Após registrar o boletim de ocorrência, tanto na delegacia comum quanto nas DDMs, a vítima pode solicitar uma medida protetiva sob essa lei obrigando o agressor a se distanciar dela. Para que isso ocorra de fato, a policia militar acompanha as mulheres que se encontram sob essa medida protetiva. Se o agressor violar essa medida, um novo boletim de ocorrência precisa ser feito, podendo resultar na prisão dele.
Apesar de a Lei ter um alcance relativamente grande, proporcionando grandes avanços no combate à violência doméstica, precisa-se melhorar sua efetividade. O processo de denúncia é expositivo e humilhante para muitas mulheres. O fato de elas terem que provar as agressões, confrontar seu agressor e toda a sociedade que insiste em acreditar que as vítimas é quem são as culpadas é, sem sombra de dúvida, um processo muito desgastante e traumático para a mulher, podendo piorar se o seu agressor não for punido.
Por esse motivo, os órgãos públicos devem promover uma batalha constante contra esse tipo de violência, para que as mulheres sintam-se amparadas e protegidas, não aceitando a vida medíocre de “saco de pancadas’ e “escrava doméstica”.
Portanto, mulher, não tenha medo de correr atrás do seu direito. Você é a vítima, e você terá a proteção do Estado. Mas para isso é preciso ter coragem de denunciar o seu agressor, e ter em mente que o processo será difícil, muitas pessoas te julgarão e serão preconceituosas, dirão que é “coisa da sua cabeça” e que “pode-se resolver tudo com uma boa conversa”.
Você pode procurar uma as Delegacias da Mulher, ou pode ir a uma delegacia comum e solicitar que o seu caso seja enviado a uma unidade da DDM; pode procurar as Defensorias Públicas e Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; os Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres; ou ainda ligar no Disque Denúncia 180.
E se você tem vergonha, medo ou não tem acesso aos meios de comunicação, peça ajuda a um familiar, amigo ou vizinho, ele também pode fazer a denúncia por você.
(Texto escrito por Marcela Salim Veroneze, estudante de Direito da UFU)